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ROMEU E JULIETA __ PARTE 3

Temática

Os críticos têm encontrado uma certa dificuldade em atribuir um tema específico ou mais bem apresentado na peça de Romeu e Julieta. As propostas que surgiram como temas principais são: a descoberta que as personagens fazem sobre os seres humanos, compreendendo que eles não são nem totalmente bons nem totalmente maus e que, em vez disso, são um pouco dos dois;o despertar da fantasia onírica e a entrada para a realidade; o perigo que existe na ação precipitada sem qualquer tipo de racionalização,e o poder que existe num destino trágico. Embora esse conjunto de temática forme um enredo complexo para os críticos definirem uma temática principal, a peça está repleta de vários elementos temáticos que se entrelaçam. Os que são mais frequentemente debatidos pelos estudiosos são tratados a seguir:

Amor

Romeu: Se minha mão profana o relicário, em remissão aceito a penitência: meu lábio, peregrino solitário, demonstrará, com sobra, reverência. Julieta: Ofendeis vossa mão, bom peregrino, que se mostrou devota e reverente. Nas mãos dos santos pega o paladino. Esse é o beijo mais santo e conveniente.

Romeu e Julieta, Ato I, Cena V.

Romeu e Julieta é por vezes considerada uma obra sem temas, com a ressalva de que trata do amor entre dois jovens apaixonados. Estes dois jovens tornaram-se com o tempo a emblemática dos jovens amantes que são condenados pelo seu amor. Uma vez que o tema se apresenta de forma muito clara na peça, há uma grande exploração da linguagem e do contexto histórico por trás desse romance.

Em seu primeiro encontro, Romeu e Julieta utilizam uma forma de comunicação recomendada por muitos autores críticos da época de Shakespeare: a metáfora. Usando metáforas de santos e pecados, Romeu teve a oportunidade de testar os sentimentos que Julieta nutria por ele de uma forma não-ameaçadora. Esse método estilístico era recomendado pelo diplomata e cortesão italiano Baldassare Castiglione (cujas obras haviam sido traduzidas para o inglês da época). Castiglione lembra que, se um homem utiliza uma metáfora como um convite, a mulher pode fingir que ela não entendeu o que ele disse, e então ele poderia recuar sem perder a honra. Julieta, no entanto, participa da metáfora de seu amado e colabora para seu desenvolvimento, expandindo-a. Metáforas religiosas como "santuário", "peregrino" e "santo" se encontravam na moda poética da época e eram consecutivamente mais suscetíveis de serem compreendidas como algo romântico, ao invés de bobagens ou blasfêmias, como o conceito de santidade ficou associada tempos depois através do Catolicismo. Mais tarde, Shakespeare remove as alusões mais audazes que ele encontrou na história de Romeu e Julieta de Brooke, como uma acerca da ressurreição de Cristo.

Frank Dicksee retrata a cena do terraço no quadro Romeu e Julieta, 1884

Na famosa cena do terraço, Shakespeare coloca Romeu ouvindo por acaso o solilóquio de Julieta, embora na versão de Brooke a declaração da moça é feita sem ninguém escutar. Ao aproximar Romeu na cena para escutar sua amante, Shakespeare quebra com a sequência tradicional da corte: normalmente, as mulheres eram obrigadas a serem tímidas e modestas para se certificarem que seus pretendentes eram sinceros para com elas. A quebra (intencional) dessa regra serve apenas para adiantar um pouco o enredo teatral, contudo.Os amantes são capazes de pular a parte das declarações de amor e passar a falar de sua relação—como quando decidem se casar depois de se conhecerem em apenas uma única noite. Se nos focarmos na cena final do suicídio, podemos perceber uma contradição na mensagem: na religião católica, os suicidas eram condenados para viverem e amargarem no inferno; porém, existia também o conceito de que, se morressem através da "Religião do Amor", ao lado de seu amor, estariam unidos com ele no paraíso. Portanto, o amor entre Romeu e Julieta parece expressar a "Religião do Amor", em vez de expressar a visão católica.Outro ponto interessante de ressaltar é que, embora o amor de ambos seja passional, ele só se consumou no casamento, o que os impede de perder a simpatia do público.

Indiscutivelmente, Shakespeare relaciona sexo e amor com a morte. Por exemplo: ao longo da história, tanto Romeu como Julieta, assim como as outras personagens, a personificam como um acontecimento sombrio, frequentemente equiparando-a com o Erotismo: ao descobrir a morte (falsa) de Julieta, por exemplo, Capuleto diz que sua filha foi "desflorada",uma alusão simples para o fim da virgindade feminina. Julieta também compara Romeu com a morte de forma erótica e, mesmo antes de seu suicídio, ela se apossa do punhal de Romeu e diz: "Oh! sê bem-vindo, punhal! Tua bainha é aqui. Repousa aí bem quieto e deixa-me morrer."

Azar e sorte

Ó, Sou o bobo da fortuna!

Romeu

Os estudiosos se encontram divididos quanto ao papel da sorte na peça. Não existe consenso entre eles sobre se os protagonistas são realmente fadados a morrerem juntos ou se os eventos ocorrem através de uma série de hipóteses azaradas. Os argumentos a favor do destino geralmente referem-se aos dois como "amantes desditosos". Essa expressão aponta que as estrelas predeterminam o futuro dos amantes. O estudioso John W. Draper acredita que existe um paralelo entre a crença Isabelina dos "quatro humores" e os principais personagens da peça (sendo Tebaldo um hipocondríaco).

Interpretar o texto através dos humores reduz o valor do enredo atribuído ao acaso pelas audiências modernas.

Ainda nesse tema, outros estudiosos encontram na peça um enredo envolto de muito azar, colocando-a não como uma tragédia, mas como um melodrama emocional. Ruth Nevo crê que o elevado grau em que a oportunidade é sublinhada na narrativa faz de Romeu e Julieta a mais fútil das tragédias em seus acontecimentos, mas não em seus personagens: quando Tebaldo desafia Romeu para uma luta, por exemplo, ele não está sendo impulsivo, ou seja, após a morte de Mercucio, a ação mais esperada no momento e sua escolha termina sendo tomada. Nessa cena, Nevo lê Romeu como um jovem consciente dos perigos que o desrespeito das normais sociais, de identidade e compromissos podem acarretar e, por isso, ele decide cometer um assassínio não por causa de uma "falha trágica", mas devido à circunstância.

Dualidade

Segundo Caroline Spurgeon, "… em Romeu e Julieta a imagem dominante é a luz, e todas as formas e manifestações da mesma: o sol, a lua, as estrelas, o fogo, os raios, os flashes de pólvora e a luz que reflete a beleza e o amor, enquanto que, em contrapartida, temos a noite, a escuridão, as nuvens, a chuva, a névoa e a fumaça."

O conceito de luz e sombra é muito bem retratado no quadro Romeu no Leito de Morte de Julieta, por Füssl, 1809.

Em verdade, os estudiosos têm longas críticas e análises acerca do amplo uso da "luz" e da "escuridão" que Shakespeare fez questão de utilizar na peça. Esse uso é uma técnica estilística muito facilmente encontrada na literatura para referir em linguagem descritiva uma experiência sensorial. Caroline Spurgeon considera esse tema da luz como "um símbolo da beleza natural do amor juvenil"[46] e essa interpretação serviu de argumento para outros críticos. De maneira resumida, podemos dizer que Romeu e Julieta vêem-se como uma luz na escuridão circundante: o primeiro descreve a amada como se ela fosse o sol; mais brilhante do que uma tocha; uma joia que brilha no escuro das noites, e um brilhante anjo entre nuvens negras. Até mesmo quando Julieta está (aparentemente) morta, ele diz: "... a insígnia da beleza em teus lábios e nas faces ainda está carmesim, não tendo feito progresso o pálido pendão da morte ..." Julieta, por sua vez, descreve Romeu como "dia em noite" e "mais branco do que neve sobre um corvo."

Esse contraste entre claro e escuro presente no diálogo de ambos pode ser uma clara metáfora para amor e ódio, juventude e maturidade. Por vezes esses entrelaçamentos metafóricos criam o que se chama hoje de ironia dramática, uma vez que o amor de Romeu e Julieta é uma luz no meio do ódio de seus familiares, que seria a escuridão, mesmo que os dois jovens vivam um relacionamento apaixonante na luz da noite, enquanto seus parentes briguem em plena luz do dia. Uma vez existindo esses supostos paradoxos na peça, cria-se uma atmosfera do dilema moral que os amantes terão que enfrentar: ser fiel à família ou ser fiel ao amor?

No final da história, quando a "manhã é sombria e o sol esconde seu rosto de tristeza", segundo as palavras do próprio Príncipe de Verona, a luz e a escuridão retornam a seus devidos lugares, e isto reflete a verdadeira escuridão interior da luta entre as famílias diante da tristeza pelos amantes. Os personagens então reconhecem seus erros à luz dos recentes acontecimentos, e tudo volta à ordem natural, "graças ao amor de Romeu e Julieta". Além disso, o tema da "luz" e "escuridão" também pode ser interpretado como uma forma ligada ao tempo, e assim os dramaturgos da Inglaterra quinhentista expressavam a passagem de tempo através de descrições do sol, da lua e das estrelas, enfim.

Tempo

Este tempo de dor não é propício para fazermos a corte.

Páris

O tempo em Romeu e Julieta desempenha um papel importante na linguagem e no enredo da peça, uma vez que tanto Romeu quanto Julieta lutam para manter um mundo imaginário em face da dura realidade que os rodeia. Quando Romeu jura o seu amor por Julieta para a lua, ela protesta: "Não jures pela lua, essa inconstante, que seu contorno circular altera todos os meses, porque não pareça que teu amor, também, é assim mudável." Desde o início, os amantes são designados como estrelas cruzadas, baseado numa crença da astrologia associada com o tempo. Segundo essa crença, as estrelas controlam o destino da humanidade e, uma vez que o tempo passa, as estrelas se movem ao longo de seu curso no céu, traçando também o curso de vidas dos seres abaixo delas. Romeu, por exemplo, diz no início da peça que tem um pressentimento baseado nos movimentos das estrelas e, quando pensa que Julieta está morta, ele desafia o curso que elas têm guardado para ele.

Outro tema central (e muito visível) é a rapidez com que os acontecimentos se desenvolvem: a obra de Shakespeare abarca um período de quatro a seis dias, enquanto que o poema de Brooke se passa em nove meses. Estudiosos como G. Thomas Tanselle, acreditam que o tempo foi "especialmente importante para Shakespeare" nessa peça, uma vez que ele usou referências a "curto prazo" para os jovens amantes, enquanto usava referências a "longo prazo" para a geração mais velha destacando uma provável "corrida precipitada para a perdição". Romeu e Julieta lutam contra o tempo para fazer com que seu amor dure para sempre. No final, a única forma de derrotar o tempo parece ser através da morte que os torna imortais através da arte.

O tempo também está ligado ao tema da luz e da escuridão desenvolvido na sub-seção anterior: na época de Shakespeare, as peças eram usualmente encenadas de dia, e isso obrigou o dramaturgo a usar palavras para criar a "ilusão" de dia e noite em suas peças. Além de se referir ao tempo através dos diálogos, que citam o sol, a lua, as estrelas, o dia, a noite, os atores também se referiam a dias da semana e a horas específicas para ajudarem o público na compreensão do ambiente da peça.

Somente em Romeu e Julieta, por exemplo, pode-se encontrar exatamente 103 referências claras ao tempo.

Crítica e interpretação

Contexto histórico

Os críticos têm observado muitos pontos fracos na peça Romeu e Julieta, mas ela ainda é considerada como uma das melhores shakespearianas. O mais famoso crítico da peça foi Samuel Pepys, administrador naval e membro do Parlamento conhecido pelos relatos históricos que ele escrevia em seu diário pessoal. Entre esses relatos se encontram acontecimentos ocorridos na Grande Praga de Londres, na Segunda Guerra Anglo-Holandesa e no Grande Incêndio de Londres. Quanto à trama de Romeu e Julieta, Pepys escreveu em 1662: "é a pior peça que já assisti em toda a minha vida."Dez anos depois, o poeta John Dryden elogiou a peça e o personagem Mercucio: "Shakespeare demonstrou o melhor da sua habilidade artística em seu Mercucio, e ele próprio dizia que foi obrigado a matá-lo no terceiro ato para evitar ser morto por ele."A crítica da peça no século XVIII era menos esparsa, mas não menos dividida: o editor Nicholas Rowe foi o primeiro crítico a refletir sobre o tema da obra, concluindo que o final trágico foi uma punição justa para as duas famílias que brigavam entre si.

Em meados do mesmo século, o escritor Charles Gildon e o filósofo Lord Kames argumentaram que a peça era um fracasso artístico, pois não seguia as "regras clássicas" do teatro: "a tragédia final deve ocorrer por conta de algum erro dos personagens envolvidos no enredo, e não por um acidente do destino."Samuel Johnson, contudo, considerava a peça mais agradável de Shakespeare.

Em finais do século XVIII e através do século XIX, a crítica centrou-se nos debates sobre a mensagem moral da peça. A adaptação do ator e dramaturgo David Garrick, realizada em 1748, excluiu a personagem Rosalina, porque era visto como inconstante e imprudente o abandono que Romeu faz para ficar com Julieta. Críticos como Charles Dibdin alegavam que a inclusão de Rosalina, no entanto, era proposital para mostrar como o herói era imprudente, e que essa foi a verdadeira razão para seu trágico fim. Outros argumentam que Frei Lourenço pode ter sido o porta voz que Shakespeare utilizou para demonstrar suas advertências contra a pressa injustificada. Com o advento do século XX, todos esses argumentos acerca da moralidade da peça foram contestados por críticos como Richard Green Moulton. Ele acreditava que o acidente, e não a falha das personagens, foi o que as levou à morte.

 
 
 

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